Do seu olhar
Postado em: maio 28, 2010 por Marcio Carvalho emVocê tem um olhar meio perdido, de menina que quer coisas demais e o tempo todo.
Mas é um olhar bonito. E intrigante...
Você tem um olhar meio perdido, de menina que quer coisas demais e o tempo todo.
Mas é um olhar bonito. E intrigante...
Amanhã vai fazer um mês que ela se foi.
Sinto sua falta, mas sinto que você não deveria mais estar por aqui, mesmo.
Não me despedi de você. Mas a última noite que passei ao seu lado, na cama do hospital, me ensinou tanto sobre mim mesmo.
Eu cresci, ali. Naquele quarto escuro, com os barulhos dos equipamentos, observando sua respiração fraca e seu olhar já distante desse mundo. Me senti tão mais velho que você...
Obrigado, tá? Por ter feito de mim um garoto menos estranho do que eu queria ser. Você ajudou esse mundo a ser mais suportável em muitos, muitos momentos.
Há algo de belo no que é triste. Há uma beleza sincera, quando nos encontramos sem rumo. Uma beleza pura, crua, quase selvagem, livre de amarras.
Meu coração parece mais sincero quando estou triste. É o momento em que sinto minha alma mais perto desse mundo.
Não, eu não gosto de estar triste. Não gosto de sentir o coração apertado ou de sentir o chão faltando. Mas a beleza me atrai. Como somos atraídos pelo perigo de cair do penhasco, como atrai o brilho de uma lâmina.
Minha mente fervilha de idéias quando me sinto triste e só. Os dedos formigam, procurando onde escrever.
Me sinto triste. E me sinto só.
Mas o mundo parece mais bonito, essa noite.
A fumaça dança, espessa, fantasmagórica... e aos poucos parece ir tomando o mundo à nossa volta. as pessoas, as mesas; o mundo parece encoberto dessa névoa. Tudo fica pálido, sem cor e distante frente àqueles olhos.
Me sinto preso, nasci assim, morrerei assim. Preso à uma promessa velada, mais antiga que eu, maior do que eu. Me sinto preso e nu, criança maravilhada com a descoberta de algum segredo dos adultos.
Me sinto distante de mim. Não sou eu mesmo, agora. Sou seu. Sou o que quiser de mim.
Olhe para mim. Quero que olhe para mim e mais nada. Quero que o resto do mundo acabe agora e que o fim de tudo seja um início para nós.
Na televisão, uma mãe que parece mais nova que eu chora a perda de um filho. Eu não sei o que é isso. Não sei o que é isso. Não sei o que é segurar uma criança nos braços, colocá-la para dormir, sorrir e sentir em meu peito que sou a pessoa mais importante da vida dela. Não sei o que é perder alguém que seja mais importante do que a vida de todas as outras pessoas do mundo. Não sei o que é ter o amor incondicional, intransferível, indelével de alguém.
Aquela mãe chora a perda de uma vida que não conheci.
No escuro da sala, invejo a tristeza dela.
O mundo parece estar acabando, lá fora. Pessoas mortas, crimes, a natureza se revoltando. O medo está transformando minha cidade adotada em um local vazio à noite. E ainda assim você e eu fingimos que está tudo bem. A urgência grita e nós nos escondemos atrás de muros de silêncios e de palavras vazias.
Há um vazio no meu mundo. Um vazio com a forma do seu olhar.