Das dores de crescimento

Postado em: abril 28, 2011 por Marcio Carvalho em

É tão estranho, falar sobre você.
Acho que nunca consideramos muito essa ideia, quando somos crianças. Acho que não pensamos que nossos pais vão morrer um dia, que é o curso natural das coisas.

Sinto sua falta, mãe. Sinto falta dos "causos" que contava sobre sua infância em Minas Gerais. Tinha um gosto bom, como se tudo fosse um filme que só você tinha assistido, mas que contava com muitos detalhes para meu irmão e eu. E você sempre foi uma pessoa brigona com a gente, mas quando contava essas coisas, dava pra ver nos seus olhos a menina doce que você era. Como falava com carinho da sua terra, da sua gente. Lembro que, quando eu era criança e você e o meu pai levavam a gente pra passar férias na casa dos nossos avós, eu ficava todo feliz. Tentava explorar a fazenda do vovô, pra tentar descobrir aqueles lugares dos quais você contava.

Sinto falta das suas comidas. Mesmo eu sendo a ovelha negra da família, o filho desgarrado, que só vinha para casa praticamente pra dormir, depois que fiquei adulto, quando eu chegava você me recebia com o mesmo olhar carinhoso de quando eu voltava da escola ainda criança e tinha um almoço quentinho me esperando. Lembro dos almoços de domingo, quando meu pai ainda não tinha os bares e ficava o final de semana em casa. Eu adorava o macarrão com frango no domingo. Acho que nunca mais comi um macarrão tão bom. E quando era meu aniversário, você sempre preparava o meu pavê. Esse doce tem gosto de aniversário pra mim.

Sinto falta das broncas por qualquer coisa que você dava. Seu jeito mandão, seu amor durão comigo e com o Max. Sei que eu respondia demais, mas acho que era porque eu tinha muito de você em mim.

Mas eu sinto falta, mais do que tudo, daquele abraço que me dava quando eu passava muito tempo longe de casa. Eu sempre gostei de viajar, sempre fui o que queria explorar, conhecer o mundo todo, abraçar tudo. Mas eu também sempre soube que quando o mundo estivesse grande demais, eu poderia voltar para a minha casa. Sentar no sofá, do seu lado e esperar aquele abraço que só uma mãe sabe dar. E aquele beijo que remendava qualquer buraco no meu coração.

Sabe? Alguns dias eu queria muito ter esse beijo de volta.

Mas você se foi. E foi tudo tão rápido. Ainda lembro quando me ligou falando da doença. Pela primeira vez da minha vida, você me ligara chorando. A pessoa mais forte que eu conhecia no mundo, falando que estava com medo. Eu fiquei com um nó na garganta, um misto de medo, vontade de ir correndo te abraçar, vontade de parar o mundo e vontade de voltar a ser criança e ficar no seu colo.

E depois, pouco antes de você ir para o hospital, naquele dia na sua casa, quando você encostou a cabeça no meu ombro e chorou, dizendo que estava com medo de morrer. Sabe, mãe... Eu me senti tão pequeno e tão velho ao mesmo tempo. Pela primeira vez na minha vida eu senti o que deve ser o sentimento de ser responsável de verdade por alguém. Me senti seu pai, ali. E mesmo com todo esse poder, eu nada podia fazer além de te abraçar.

Na última noite que passei com você. A sua última noite com a gente, foi uma noite estranha. Em vários momentos, você não estava ali, naquela cama de hospital. O seu corpo estava, mas aquela era só uma casca. A minha mãe parecia já ter ido para um outro lugar. Acho que só aguentou aquela noite para se despedir da gente, né? Seria algo típico seu.

Eu nunca falei isso com ninguém, mas eu senti uma coisa nova, depois que tudo acabou. Quando soubemos que você tinha partido, estávamos todos juntos, meu pai, o Max e eu. A atendente do hospital avisou que o médico responsável queria falar conosco. Quando ela falou isso, eu já sabia. Meu irmão e eu nos olhamos, com o olhar que só irmãos sabem dar. Não foi preciso dizer nada.

Depois que tudo terminou, na noite depois do enterro, eu fiquei muito quieto, pensando. E eu preciso te falar, mãe, que eu fiquei orgulhoso de mim. Eu, o caçula, o "baixinho", como dizia meu irmão, tomei todas as providências. Eu me disse baixinho, no escuro: "Viu, mãe? Você me criou direitinho pra enfrentar esse mundo. Obrigado, tá?"

Obrigado, mãe.

Mas eu queria ter feito mais, nos anos anteriores. Queria ter te dito todas as coisas que fiz e não te contei. Eu queria ter te mostrado as coisas que escrevo, desenho e pinto e que escondi sempre, porque achava que você iria comparar com as coisas que meu irmão fazia. Eu queria ter falado da minha sensibilidade que escondia atrás das minhas rebeldias e dos sumiços.

Queria ter só olhado para você e dito mais vezes que a amava.

Acho que não importa o quanto tenhamos nos mostrado para quem amamos. Quando a pessoa vai embora, achamos que precisávamos ter feito as coisas de forma diferente.

Não há manual para a vida. Não tem fórmula mágica, nem jeito certo de agir. A gente só tem as nossas experiências e o que os nossos pais nos ensinaram. E você me ensinou muito, mãe. Muito.

Crescer é isso, né? Essas pequenas dores, esses pequenos arrependimentos que, ou a gente transforma em algo positivo, ou ficarão para sempre nos assombrando.

Crescer é perceber um dia que os nossos pais vão embora, mas que o que eles nos deixaram vai ser parte nossa para sempre.


Como você me dizia quando eu tinha dor nas pernas, ainda menino, "crescer dói, meu bem."

Obrigado por ter me ensinado isso tudo, mãe.

Obrigado por ter sido a minha mãe.

Te amo.

Da saudade

Postado em: abril 26, 2011 por Marcio Carvalho em

Queria escrever-lhe todas as canções de amor do mundo.

Se fosse essa a cura para o que me mata aos poucos.

Amor corrói. Amor absoluto corrói absolutamente.

Queria beber ao seu lado. Nem que fosse o nosso último gole.

Baco entenderia ao que bebemos.

Eu brindaria ao que é imortal.

Eu brindaria aos filhos que teríamos um dia.

Eu brindaria ao que não existe no mundo, mas é real.

Mas essa saudade que me mata, sempre, sempre.

Essa voz que me manda não ir embora, mesmo sob os seus pedidos.

Mas eu bebo ao nada, hoje.

Bebo ao silêncio.

Bebo aos sussurros de "por favor, não vá!"

Te amo.

Te amei.

Te amarei.

Não. O tempo não cura.

Porque não é doença.

Porque não é mal.

O tempo guarda. O tempo me faz esperar.

És minha. Minha. Minha,

Como só você sabe ser.