Do que vive em nós

Postado em: setembro 28, 2010 por Marcio Carvalho em

Ela desenha corações no canto da página do caderno. Os olhos estão distraídos, pensando em tudo e nada ao mesmo tempo.

A página está completa de palavras. Tentara escrever uma definição sobre ela mesma. Mas a cada palavra, a cada oração, a cada linha preenchida, ela sabia que estava apenas se afastando do objetivo.

Parou depois de algum tempo. Os pensamentos fugiram dali e foram parar no canto da página, em forma de pequenos corações desenhados em grafite.

E na incapacidade de se definir em palavras, ela se encontrou ali, em infinitos corações.

Omnia mutantur

Postado em: setembro 27, 2010 por Marcio Carvalho em

Não seja o que as pessoas esperam de você.

Seja o que você espera .

E seja fiel.

De mim

Postado em: por Marcio Carvalho em

O que é mais sublime em mim é também o que mais escondo do mundo.

Sim, penso que me definir é se perder de mim.

O que é mais intenso nas palavras que deposito na tela do computador é o peso que elas tiram de mim.

Não as lembro depois que escrevo. Efêmeras e ainda assim, elas carregam o peso da minha alma.

Cada palavra é uma cicatriz.

Religião

Postado em: por Marcio Carvalho em

E todas as coisas serão sagradas, jogadas no colchão desarrumado.

As paredes do quarto formam a nossa catedral,

O sexo é nossa oração.

Aqui morremos e renascemos,

Os seus gemidos são uma confissão,

E eu transformo meu corpo em carne e sangue.

Em comunhão, somos um.

De joelhos, eu te adoro,

Minha vida em você.

Quente e úmido é meu paraíso.

Sós

Postado em: por Marcio Carvalho em

Nós somos o infinito de possibilidades,
Somos o caos, berço de deuses,
A probabilidade do inimaginável.

Nós somos filhos da terra e do céu,
O interminável retorno,
Somos o peso, a leveza.

Nós somos a certeza da partida,
Nós somos despedidas sem voltas,
Somos o perder-se em memórias.

Nós somos poetas perdidos,
Somos o pó, a sombra,
Nós somos o silêncio.

Nós somos a morte do que é esperado,
Nós somos a nêmesis do tédio,
O fim de tudo o que é perfeito.

Nós somos nós,
Nós somos sóis,
Nós somos sós.

Perfeição em pedaços

Postado em: setembro 21, 2010 por Marcio Carvalho em

Como um quebra-cabeças, não se pode apreciar o amor aos pedaços.

Mas cada detalhe é essencial.

Do que é inevitável

Postado em: por Marcio Carvalho em

O clichê é a morte são as únicas certezas da vida.

Hiperbólico

Postado em: por Marcio Carvalho em

Eu vivo o irreal.

Alimento-me do que não pode ser tocado.

Sorvo a essência do que é etéreo.

Observo o vazio.

A totalidade de tudo o que não foi concretizado me seduz.

É ali que encontro o que me define.

Do que é cura e é fatal

Postado em: por Marcio Carvalho em

A paixão corrompe.

Instila dor, instila veneno que queima nas veias.

Desatina o corpo, desfoca.

Desmonta, incendeia, vampiriza.

A paixão mata o indivíduo.

E a paixão salva, inspira, desafia.

A paixão mente.

E esclarece.

A paixão termina. A paixão recria.

A paixão é caos, é ordem, é imperativo.

A paixão faz nascer.

A paixão afasta.

E afaga.

A paixão, a paixão sou eu.

Marcas

Postado em: por Marcio Carvalho em

A gota de sangue escorre pelo braço dele. Ele a observa, extasiado. O vermelho brilhante refletindo a luz. Uma jóia líquida, preciosa, vital.

As marcas deixadas no corpo dele vão se curar, as cicatrizes vão sumir.

Mas a alma dele vai carregar as marcas de lembrança desse encontro para sempre.

Segredo

Postado em: setembro 20, 2010 por Marcio Carvalho em

Abro meu peito.

O sangue escorre, vermelho e quente.

Não há dor.

Dentro de mim só há espaço para uma sensação, agora.

Porques

Postado em: por Marcio Carvalho em

É fácil amar.

É fácil fazer amar.

Difícil é o manter.

Do que causa dor e faz viver

Postado em: por Marcio Carvalho em

Eu sou todo saudades e desejos.
Sou feito da dor de viver
Que me alimenta de sonhos.

Eu faço castelos de areia.
Que são destruídos logo depois de terminados.

Porque não acredito que nada deve ser permanente.

Só o criar, o refazer.

Reinvento o que amo todos os dias
E dói cada vez que o amor morre
E é bom demais cada vez que ele renasce.

Gosto de andar em paralelepípedos
E gosto de andar à noite.

Gosto de olhar o abismo
E gosto de saber que ele me olha de volta.

Sou grande demais para ser contido.
Então escapo de dentro de mim em palavras.

Das despedidas

Postado em: por Marcio Carvalho em

A parede do quarto da menina é coberta de fotos.

Objetos, lugares, pessoas, tudo congelado no tempo e colado com tachinhas, fita adesiva ou cola.

Aquele é o pequeno segredo dela.

Tudo o que ela ama está ali, na parede.

Assim ela nunca precisa dizer adeus a nada.

Voyeur

Postado em: por Marcio Carvalho em

Ele observa o corpo dela.

Percorre com o olhar as curvas desnudas de suas costas.

A luz do luar a cobre de uma luminescência pálida.


Ela o observa. Olhos envoltos em sombra.

Ele sente o olhar chamando por ele.


Ele a abraça. O toque da pele dela é suave.

O cheiro dos cabelos dela o faz fechar os olhos, absorto.

Ela encosta o corpo no dele.

Eles se beijam.


A língua dela busca por ele, seus lábios são quentes.

As mãos percorrem as costas dela, memorizando cada pedaço do corpo dela.

Ele pressiona o corpo dela contra o seu.

Ele a ouve gemer.

Ela sussurra o nome dele.

Ele a gira, ficando por trás dela.

Na frente dela, um espelho grande e antigo está encostado na parede.

Ela se vê e a ele.

Por trás dela, os lábios dele exploram seu pescoço.

Ela fecha os olhos. Ele fala que não. E aponta o rosto dela para o reflexo dos dois.

Ele continua a beijá-la.

Uma das mãos dele desce pelo corpo dela, devagar, mas firme.

Ela observa o espelho.
No reflexo, uma mulher está nua, nas sombras atrás dela um homem beija-a. A mão dele está entre suas coxas.

Sem identidade, sem medo e sem culpa, a mulher no espelho geme de prazer e olha de volta.

Das coisas que eu não disse

Postado em: setembro 15, 2010 por Marcio Carvalho em

No seu silêncio, vivi uma vida.

Fomos amantes, confidentes na cama, melhores amigos.

Fugimos juntos, dormimos sob a lua, brigamos.

Você me conquistou de volta quando me tornei blasé.

Eu te escrevi todos os poemas do mundo.

Você fugiu, eu também.

Eu tive ciúmes, você chorou.

Eu te dei presentes, você me deu um filho.

Casamos. E moramos juntos. E vivemos juntos.

Mas fomos por caminhos diferentes.

Você se casou de novo. Eu tive outro filho.

E olhamos fotos juntos.

Choramos.

E sorrimos, sentados no banco.

Eu te amei, sempre te amei.

Você me deu uma vida.

Eu te dei meus sonhos.

E nunca vou te esquecer.

Do beijo

Postado em: por Marcio Carvalho em

Gosto de chiclete de canela e sonho.

Do crime

Postado em: por Marcio Carvalho em

O sorriso dela me rouba.

Leva embora o juízo,

Rapta minha alma,

Me deixa refém de um capricho feminino

Assim, doce e perverso.

Me assalta os sentidos,

Violenta minhas certezas,

Toma de refém meu coração.

Do que causa dor

Postado em: por Marcio Carvalho em

A pele dela é suave ao toque. As mãos dele correm devagar, absorvendo cada detalhe do corpo dela.

Ele olha a luz difusa que penetra nas frestas da janela e sabe que lá fora a tarde escorre pelos céus, mas tenta não pensar no assunto. Ela suspira, acordando. Os olhos perfeitos fitam-no, curiosa.

- Você não dormiu?

- Não. Não consegui. Queria ter certeza de que não perderia nada do dia de hoje.

Ela sorri.

- Por que vc sempre diz as coisas mais fofas?

- Eu não sei. Minha mãe me criou assim, acho.

- Bobo!

Ela olha as horas. Ele sabe o que vem depois.

- Eu preciso ir.

- Eu sei.

Ela se levanta, mas ele continua na cama, observando-a encantado. Sempre adorou ficar observando cada movimento dela.

 Ela toma um banho rápido. Quando sai do banheiro, o vapor a acompanha, tentando ele também ficar com ela por mais tempo.

- Escuta. Se você quiser, pode passar a noite aqui...

Ela olha para ele. Assim que terminou de dizer a frase, ele se da conta da estupidez que acabou de cometer.

- Ei... você sabe que eu tenho que ir. Não fala essas coisas.

- Tá. Eu sei. Desculpa.

Ele é todo pensamentos, enquanto ela coloca a lingerie, evitando olhar para ele. Veste toda a roupa e calça os sapatos. A noite começa a levar a luz embora.

- Você sabe que se eu pudesse, eu ficaria.

- Eu sei. É que eu odeio quando você vai embora. Seu cheiro fica no quarto, seu gosto fica na minha boca, seu corpo fica no meu tato. Mas você não está aqui.

O quarto é tomado pelo silêncio.

Ela termina de se arrumar e dá adeus. Os olhos dela não procuram os dele. Ela caminha na direção dele.

- Eu tenho mesmo que ir.

- Tá. Eu sei. Vai...

Ela vira as costas e ele sabe que uma lágrima escorre pelo rosto dela. Ela sai do quarto.

O som da porta se fechando é o barulho do coração quando se despedaça.

Harmonia perigosa

Postado em: setembro 06, 2010 por Marcio Carvalho em

Duas estrelas orbitam-se mutuamente. Uma dança celeste, o brilho de uma se soma a outra.

A tensão das forças é impensável.

A gravidade promete esmagá-las num encontro mortal, ao mesmo tempo em que joga uma longe da outra.

Ainda assim, nesse jogo mortal, elas se mantêm num equilíbrio delicado.

Apesar do perigo, uma sem a outra seriam nada além de estrelas comuns.

Da arte

Postado em: por Marcio Carvalho em

Na sala de cinema, os dois se dão as mãos.

Dedos se entrelaçam, trocas de carícias.

Unhas arranham de leve a pele.

No escuro e em silêncio eles trocam juras de amor em forma de toque.

As luzes se acendem, as mãos se soltam, relutantes.

O mundo separa o que a arte uniu.

De escrever

Postado em: por Marcio Carvalho em

Ele queima as páginas uma a uma.

Elas vão se iluminando, brilhando com a chama que as consome aos poucos. A fumaça dança no ar, elevando-se rápida.

Ele observa tudo, imaginando as letras transformadas em fumaça, as idéias viajando pelo ar, sopradas pelo vento.

Ele termina de queimar os textos.

E dentro dele, mais idéias exigem ser libertadas.

Do que se deseja

Postado em: por Marcio Carvalho em

A mariposa segue em direção ao fogo, fascinada.

Deseja o calor, o brilho, o poder.

O fogo observa a mariposa, fascinado.

Deseja a liberdade, a beleza, o vôo.

Destinados a se consumir, fogo e mariposa sonham um com o outro.

Do que se vai mas nunca é perdido

Postado em: por Marcio Carvalho em

Ela abre o álbum de forma displicente. Os outros parentes estão vendo as fotos da família e sua mãe insistiu para que ela também participasse do ritual das reuniões de família. Apesar de gostar de participar do evento e até mesmo se divertir com vários deles, a menina não queria muito ver as fotos. Tantas coisas para pensar, não queria perder tempo olhando para as imagens congeladas das mesmas pessoas que estavam a sua volta.

Mas por conta da insistência, acabou participando do ritual de passagem dos álbuns de mão em mão. Olhava rapidamente as fotos, concordando com os comentários eventuais de uma tia ou uma das crianças da família. Mas nenhuma das imagens captava sua atenção por mais que alguns segundos.

Até que, folheando um dos álbuns maiores, uma das fotos soltou-se e caiu aos seus pés. A garota abaixou-se para pegar e viu que era uma foto da época em que seu pai ainda estava vivo.

Estavam todos ali na foto. Ela, sua mãe, os irmãos e o pai, usando sua camiseta preferida.

Era muito pequena, quando o pai faleceu, mas escutava várias histórias que sua mãe lhe contara. Ele parecia ser um homem muito amável (afinal, tivera vários filhos). Lembrava muito pouco dele. Na foto ele segurava seu irmão mais novo nos braços e sorria meio sem jeito, com o cachimbo no canto da boca. E era justamente aquele cachimbo que lhe criara a memória mais antiga da qual ela se recordava: o pai chegava do trabalho, pegava o jornal e sentava-se na sala para ler as notícias do dia e fumar seu cachimbo. Algumas vezes a mãe dela se compadecia e trazia-lhe um café ou outra bebida, mas ele não se importava com isso.

E ele não saia da poltrona até ter terminado tudo. Ela lembrou que algumas vezes se sentava no colo do pra tentar também entender o que estava escrito. O pai dela a olhava com um sorriso no rosto, beijava-lhe a testa suavemente e a colocava no chão.

Até que uma noite o pai não voltou para casa. Sua mãe chorou muito naquele dia e uma das tias veio explicar para as crianças que seu pai não estava mais no meio da gente. Naquela noite a menina dormiu na poltrona, envolta num cobertor xadrez, sentindo o cheiro do cachimbo do pai e naquela noite sonhou com viagens de carro e saudades.

Todas as lembranças voltaram a ela enquanto ela olhava a foto. Um sentimento de aperto tomou seu peito e no meio das risadas da sala, ela sentiu vontade de chorar. Escondida da mãe, guardou a foto no bolso.

Naquela noite, ela pegou a foto que havia escondido e ficou olhando-a por vários minutos, antes de dormir. Tantos sentimentos, tantas coisas que gostaria de ter falado para seu pai. Gostaria de ter conhecido-o melhor. O que será que ele gostava de comer? Como foi sua infância? O que sentiu quando os filhos nasceram?

Ela sentiu uma certa melancolia por não ter conhecido melhor o pai. Nunca saberia qual a cor preferida dele, ou o que ele sentiu quando os filhos nasceram.

Mas a melancolia veio acompanhada de um sentimento doce, porque ela sabia que seu pai sempre a acompanharia.

Naquela noite a garota dormiu logo. Embaixo de sua  cama, numa caixa de sapatos, uma fotografia antiga divide espaço com diários antigos, cartas de namorados e a um certo cachimbo.

Do que é falso

Postado em: setembro 05, 2010 por Marcio Carvalho em

Minhas certezas vivem no agora.

Do que tive certeza no passado, duvido, hoje.

Do que terei certeza no amanhã, não posso dizer.

Vivo de ideais puros e conceitos mutáveis.

Tudo o que desejo é real.

Pelo menos no momento em que desejo.

Porque meu desejo é fogo que consome até sobrar escuridão.

Eu aplaco a noite acendendo outro fogo.

Estigmata

Postado em: por Marcio Carvalho em

A pele sangra.

Os cortes abertos pulsam em vermelho. Deitado no escuro, ele sente a dor nos braços, revivendo todos os momentos da noite.

Ele pensa em desejos e segredos sórdidos. Lembra dos lábios dela nos locais onde o braço dói, revive em devaneios a sensação de ter as unhas dela cravadas na carne.

A noite passa devagar. Rolando na cama, ele tenta entender a excitação que percorre seu corpo como pequenos choques elétricos que irradiam a partir das feridas abertas.

As cicatrizes virão nos próximos dias.

Mas o que foi aberto naquela noite nunca mais será esquecido.

Estranho e doce

Postado em: setembro 02, 2010 por Marcio Carvalho em

Ela vai embora sem olhar para trás. Ele espera uma última olhada, um sorriso de despedida, um aceno. Em vão.

Ela desaparece ao subir a escada da estação. O vapor de água que sai do trem a esconde.

E dentro dela jaz uma explicação.

Sabia que se olhasse de volta quando se desperiram e não o visse ali, morreria um pouco por dentro...

Do fascínio

Postado em: por Marcio Carvalho em

O fascínio pelo fogo me acompanha há muitos anos. Lembro de quando eu era criança, quando chovia muito e as luzes apagavam.

Lembro de ficar em meu quarto, com a vela acesa, vendo a chama comandar um elenco de sombras que dançavam nas paredes. E eu ficava ali, fascinado pelo brilho, pelo calor, pelo poder do fogo de consumir.

Lembro da reverência em forma de temor que eu tinha da chama. Sabia que se ela consumisse toda a vela, a escuridão venceria e na minha imaginação, todo o conforto que a luz traria também se extinguiria. Quem saberia dizer que terrores estavam aguardando nas sombras pelo fim da luz.

Lembro que na minha arrogância infantil, eu brincava de controlar o fogo. assoprava de leve a vela, tentando descobrir o quanto mais de vento ela poderia aguentar sem se apagar. Brincava também de passar rapidamente com os dedos por sobre a chama, imaginando que eu a controlava e que ela não me queimaria, se assim eu quisesse.

Mas no fundo, ainda assim eu tinha medo de que a vela se apagasse com um assopro mais forte, ou que eu calculasse mal a passada e queimasse a mão.

O fogo sempre tem o controle.

E é isso que fascina.