de sombras

Postado em: julho 06, 2010 por Marcio Carvalho em marcadores: , , , ,

por detrás da imensa janela, ele observa as sombras dos arranha-céus tomando a cidade. o sol é um círculo vermelho de brilho tímido. a noite se aproxima.

ele aprendeu a amar essa hora. o momento em que o sol morre no horizonte, o momento em que a lua triunfa na luta diária pelo controle dos homens.

os olhos se estreitam, observando os últimos raios de luz banharem o mundo.

a fome se anuncia, a sensação que começa na base do abdômen e sobe, crescendo, rugindo dentro do peito. quando a lua começa sua jornada nós céus, ele também descide caminhar.

as ruas estão cheias e sujas, como sempre. milhares de odores misturados. uma sensação pungente e ao mesmo tempo viciante.

ainda assim, ele se delicia com esse momento. as pessoas passam a sua volta, alguns esbarram em seu ombro, apressados em suas vidas pequenas, sem ter idéia do que ele é.

ele caminha por horas, saboreando a noite e as sombras.

ela passa por ele. um segundo ou menos, mas o aroma dela aguça seus sentidos.

o mundo além dela perde o foco e a caçada começa.

ele a segue. a cabeça baixa, mas os olhos fixos no balançar do cabelo escuro e longo. o cheiro dela toma aos poucos toda sua atenção. um som cadenciado e abafado começa a se sobressair entre a cacofonia das ruas. um som como o de um coração.

ela nada percebe. ao virar uma esquina escura, ela vê um homem parado, encostado na parede. ela sente um arrepio na nuca, uma sensação de alerta, mas não sabe porque. ela continua olhando para o homem, quando ela percebe que ele a está olhando de volta.

o coração dela dispara. ele consegue ouvir a batida acima de qualquer outro som do mundo, o sangue sendo bombeado por artérias, percorrendo caminhos por sob a pele dela. a antecipação toma todo o pensamento dele. a fome clama seu preço.

ela pensa nos olhos dele. frios, fixos, sem brilho, como os de um morto. ainda assim... ainda assim ela não consegue parar de olhar. o homem está sorrindo para ela? ela não sabe dizer. uma palavra se forma em seu lábio, mas ela não consegue produzir nenhum som. os olhos dele...

ele olha para os lábios vermelhos. a batida do coração dela agora é ensurdecedora. uma percussão ancestral que seduz, que chama.

ela para em frente a ele, sem saber porque.

ele a pega pelo braço. a vibração do pulso dela é sentida por todo o corpo dele. ele sorri.

ela sente medo, mas não consegue fazer nada. ela se sente frente a algo muito mais velho e maior que ela. ela sente medo, mas quer se entregar. ela não pode fazer nada.

ela o deseja. ela é dele. sempre foi, sempre. nada mais importa do que se entregar àquele homem.

ele abre a boca. dentes afiados tocam o pescoço macio. a pressão abrindo pele e músculo. o jorro quente e cheio do gosto dela enche-lhe a boca. ele a abraça, puxando-a toda para perto dele.

ela sente os dentes dele no seu pescoço. ela sente o abraço dele e se sente mais próxima do que jamais se sentiu com nenhum homem em toda a sua vida. ele precisa dela e ela se entrega totalmente. ela sente um líquido quente escorrer sobre sua pele, descendo pelo peito. ela sente os lábios dele, sua língua raspando no pescoço e o abraça, como uma mãe alimentando um filho faminto. ela sente a dor, mas não pode deixá-lo. nunca.

ele a quer mais que qualquer ser do mundo. a vida dela preenche o seu corpo, enchendo-o com suas lembranças. ela é tudo para ele, naquele momento.

algumas pessoas que caminham na rua, ao lado do beco percebem os dois amantes se entregando um ao outro, nas sombras.